III




Não sou um anjo. Apesar de ter o nome de um estou longe de ser um deles. Tampouco sou um demônio. Essas “coisas”, demônios e anjos, para mim não existem, são como fadas e duendes. Poderia contar aqui páginas e páginas da minha triste história para vocês, mas prefiro relatar algo mais, digamos, excitante. Tentarei ser breve então: um dia meu mundo caiu. Após cinco anos de um relacionamento, do qual eu era completamente fiel e apaixonado me descobri soropositivo. Até aí nenhuma novidade. Mas eu não sei se o que doeu mais foi essa descoberta ou saber que era descaradamente traído. Creio que foi a segunda hipótese. A primeira pouco me importava. De um dia pro outro minha vida virou de cabeça pra baixo, o homem que eu amava , amo, me deixou covardemente sem qualquer explicação. Simplesmente pegou suas coisas, jogou a chave na mesa de jantar e saiu. Me vi completamente perdido, olhava para as paredes do meu apartamento e aquilo para mim era completamente estranho,minha própria casa não fazia mais sentido para mim, minha cama ficava a cada noite maior e mais vazia, nada mais tinha o mesmo valor. Um enorme vazio começou a brotar no meu peito e isso doía muito. Muito mesmo. Me afastei das pessoas. Me afastei de tudo, só queria ficar sozinho, na verdade eu nem sabia direito o que eu queria. Eu queria ele de volta pra mim. Mas ele se foi. Passava noites e noites olhando para a porta na esperança dele entrar. Um dia adormeci olhando para ela e dormi por horas, dias...nem sei.

Acordei de sobressalto  com vozes ao meu redor, várias vozes estranhas sussurrando na minha cabeça. Fui até o banheiro e quase não me reconheci no espelho. Minha ficha começou a cair e entrei em desespero. Não estava acreditando que aquilo tudo era verdade, que ele realmente tinha ido embora e me deixado sozinho. Uma raiva enorme começou a brotar dentro de mim e comecei a dar socos no espelho, nas paredes, no box e só parei quando estava completamente exausto e sem forças então comecei a chorar.
Precisava de uma bebida. Minhas mãos estavam trêmulas e cheias de sangue, mal conseguia segurar a garrafa, derrubei alguns copos e uma fruteira que havia em cima da mesa, dentro dela alguns papéis e  um terço de prata: era dele. A  partir daquele momento decidi que  iria procurá-lo onde quer que ele estivesse e cobrar dele uma explicação por ter me abandonado daquela maneira. Foi então que comecei minha procura. Parques, saunas, becos, boates; locais que ele provavelmente freqüentava enquanto eu ficava em casa à sua espera cego de amor. Amor... prometi a mim mesmo que nunca mais sentiria isso por pessoa nenhuma, nem por mim mesmo. 
Não peço que tenham pena de mim, pois eu não teria de vocês.

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